sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A matemática não fecha

Antes que eu seja acusado de comunista, o mundo ainda não presenciou o regime econômico e político ideal que fosse sustentável. Ainda que considere que o comunismo nunca tenha sido posto em prática, mesmo que tivesse, ele é simplesmente impraticável. Um regime que desconsidera as individualidades, quase como a República de Platão, não se sustenta. Simples assim.

Isso não significa que, na outra ponta, o capitalismo e o neoliberalismo sejam sustentáveis. Aliás são tão insustentáveis quanto. A lógica capitalista não fecha, é contraditória e parece cada vez mais próxima ao colapso. As crises e recessões são cíclicas por um motivo simples: o modelo não tem lógica, é contraditório. As soluções são sempre as mesmas e acarretam nas mesmas consequências.

Em tempos de crise e recessão o que vemos são sempre as mesmas práticas fadadas ao fracasso, resoluções que são natimortas conceitualmente. O princípio básico do capitalismo, seja como for, é que exista mercado consumidor. Claro que apenas uns poucos efetivamente lucram, mas para que eles lucrem, é necessário que as pessoas consumam, para que elas consumam é preciso que elas trabalhem. Em síntese, o capital nasce do trabalho e do consumo de alguém. Uma pirâmide relativamente simples e que parece, mas só parece que todos saem ganhando.

Mas a lei da oferta e procura, a auto-regulamentação do mercado, bem como grande parte dos governos mundiais ainda não entenderam essa lógica. Em tempos de crise, o primeiro termômetro é o aumento do desemprego. O salário reduz, as garantias trabalhistas reduzem, ou seja, aumenta-se a jornada laboral e a idade da aposentadoria. No entanto, a consequência disso é justamente a redução do consumo, do giro de capital e o aumento da crise.

Ora, com o medo do desemprego as pessoas compram menos, afinal não têm garantias que manterão seus empregos. Os preços acabam subindo para sustentar a cadeia produtiva, pois a produção não escoa. Aumentando a jornada de trabalho, reduz-se os postos de emprego. Afinal, se dois alternassem turnos de 6 horas seriam dois empregos, em vez de um empregado em turno único de doze.

O aumento da idade de aposentadoria também só contribui com o desemprego. Das duas uma, ou as pessoas continuam mais tempo no emprego, deixando um jovem de fora, ou – o que é mais comum – a pessoa que “poderia” estar aposentada é demitida, não pode aposentar e não é reabsorvida pelo mercado de trabalho, justamente por sua idade avançada. Menos gente trabalhando, menos consumo, menos impostos. Enfim, menos dinheiro girando. Não é preciso ser matemático ou economista para entender que a conta passa longe de fechar. O caos social é garantido.

Invariavelmente, o que os governos fazem quando estão à beira do caos é liberar crédito indiscriminadamente para fazer a economia voltar a girar. Obras públicas, créditos imobiliários facilitados, por aí vai. Em curto prazo, ótimo, funciona. Em longo cria-se uma bolha, que estoura e voltamos a situação anterior. Basta ver o “Milagre Econômico de 1970”, ou o Boom econômico do início dos anos 2000 até o princípio da lava-jato, a Crise de 1929 e de 2010 nos EUA. Precisamos conhecer a história para não repeti-la, mas a ganância não deixa.

As proporções desse colapso em escala mundial são ainda mais assustadoras. A população do mundo cresce. Crescem suas necessidades, mas diminui a sua importância. Antigamente a economia girava em torno de um produto, o capital girava em torno de um produto. Hoje, cada vez mais, produto, capital e trabalho se distanciam. O dinheiro é virtual, o trabalho é virtual. Não vendemos produtos ou trabalho, mas tempo e ideias. Não há mais vínculo entre produção e capital, tanto que os 8 homens mais ricos do mundo têm a mesma quantidade de dinheiro da soma de 50% da população do planeta.

O que isso tem com nossas vidas? Um episódio recente de “Os Simpsons” atentou para isso e muitos estudiosos também. No Fantástico, faz pouco tempo, passou uma matéria do carro que não precisava de motorista e do hotel em que quase todos os funcionários eram robôs. O exemplo do Simpsons também era nesse sentido, mas mostrando um estágio avançado, quase apocalíptico. Hoje, uma fábrica produz quatro vezes mais carros com três vezes menos funcionários do que há 10 anos atrás. O custo diminui, robôs não têm salário, direitos trabalhistas, necessidades fisiológicas. Mas para onde vão esses empregos? Suponhamos que todos se acabem, do que adianta produzir uma quantidade absurda de carros se ninguém terá dinheiro para comprá-los? O hotel em que a grande maioria dos funcionários é robô vai hospedar quem? Robôs não precisam de férias e humanos não terão dinheiro para gastar.

Será que pensam nisso? Ainda que a humanidade seja indispensável para cuidar de imprevistos, para algumas tarefas e para supervisionar os robôs, a necessidade de humanos se reduz em quantidade inversamente proporcional a quantidade produzida. Onde isso termina? Como disse a conta não fecha e o mesmo capitalismo que incentiva essa redução de custos vai sofrer com a falta de mercado.

Como disse, a solução para isso eu não conheço, o mundo ainda não viu um sistema político-econômico sustentável. Imagino que o mais próximo disso seja os escandinavos, ou, em medida menor, o uruguaio. Mas são países com populações muito pequenas, e a aplicação desse sistema em larga escala nunca foi testada. Fato é que caminhamos a passos largos para o colapso do sistema em que vivemos e, se a ganância continuar a cegar os que podem mudar isso, só veremos quando for tarde demais.